Há séculos a utilização de soluções para
irrigação nasal vem sendo praticada na Índia, o chamado Neti Lota, que consiste na aplicação de solução salina através das
narinas com auxílio de uma espécie de chaleira, com a finalidade de
higienização local. Atualmente, apesar da aplicação de solução salina para
higiene nasal ter poucos dados comprovando a sua eficácia através de
metanálises, tem demonstrado ocupar espaço na prática clínica, sendo indicado
por especialistas pediatras, otorrinos e alergologistas de forma ampla, como
coadjuvante em várias afecções do trato respiratório superior.
Apesar
de não haver um consenso em relação à ação das soluções salinas sabe-se que
umidificam a cavidade nasal, reduzindo a presença de crostas, melhorando o
clearance mucociliar e remoção de alergenos e outros irritantes ambientais como
a poluição, além de auxiliar na prevenção e tratamento de quadros infecciosos
virais e bacterianos como as rinossinusites, fluidificando o muco produzido
nestas condições. 1
A
irrigação nasal com solução salina isotônica é um procedimento simples e seguro
e os efeitos adversos dos quais os pacientes mais queixam geralmente estão
relacionados ao uso de soluções hipertônicas ou com aditivos. Neste caso são chamados
de conservantes, e o cloreto de benzalcônio é a substância mais comumente
utilizada nestas soluções. Dos sintomas mais referidos a sensação de ardor ou
queimação local e o gosto amargo de algumas soluções são os mais frequentes.
2
Atualmente,
a aplicação de solução salina isotônica através dos dispositivos spray- jato
contínuo, que são produzidos sem uso de conservantes, minimizou ainda mais os
efeitos adversos. Apesar de estudos in
vitro apontarem um efeito do cloreto
de benzalcônio na redução da frequência
de batimento ciliar, não existem evidências que este conservante apresente
danos in vivo. 3
As soluções
salinas para irrigação nasal removem os mediadores químicos inflamatórios
locais que ficam dissolvidos no muco diminuindo o edema e as alterações do
batimento ciliar. Em um estudo in vitro, observou-se lesão epitelial em
culturas de células epiteliais nasais humanas sob os efeitos de soluções
hipotônica (0,3%) e hipertônica (3,0%), o que não foi demonstrado com a solução
isotônica. 2
Algumas
condições agudas e crônicas como rinossinusites virais e bacterianas, rinite
alérgica, ocupacional e atrófica são geralmente indicações do uso de soluções
salinas. 4,5
Rinite
alérgica
Hermelingmeier,KE
et al conduziram uma revisão sistemática através de Medline, Embase,
Cochrane Central Register of Controlled Trials, e ISI Web of Science de estudos sobre uso de soluções salinas em
crianças e adultos com rinite alérgica, publicados entre 1994 e 2010. A
utilização da irrigação nasal produziu um aumento de 27.66% na melhora dos
sintomas nasais, 62,1% de redução de uso de medicamentos, 31.19% de aceleração
no tempo de clearence mucociliar, e 27.88% de melhora na qualidade de vida,
concluindo que o uso complementar de solução salina isotônica pode ser
recomendado como terapia complementar na rinite alérgica. 6
Resfriado
comum
A irrigação nasal com solução salina isotônica é considerada uma
medida extremamente eficaz na prevenção e no tratamento do resfriado comum, sendo
o tratamento coadjuvante mais indicado nas infecções respiratórias agudas, virais e bacterianas. É capaz de reduzir a
intensidade dos sintomas e a secreção nasal, e desta forma aumentar a
permeabilidade da via respiratória, favorecendo o retorno à respiração nasal
fisiológica. As crianças tendem a usar menos antitérmicos, descongestionantes
nasais, mucolíticos.7
Deste modo, pode minimizar os riscos de eventos adversos destas medicações,
além de favorecer o menor absenteísmo escolar, com melhora da produtividade.
Em contrapartida, as soluções salinas hipertônicas desencadeiam maior
desconforto durante a aplicação pela possibilidade de causar dor, queimação ou
sangramento nasal, decorrente da liberação local de histamina e da substancia
P. Portanto, não há ainda evidências científicas
suficientes para
recomendar o uso de solução salina hipertônica para o tratamento de crianças
com infecções respiratórias agudas. 8
Profilaxia
Marquisio et al observaram que apesar dos pediatras em atenção primária
no norte da Itália prescreverem amplamente a utilização de soluções salinas
isotônicas para prevenção ou tratamento de crianças pré-escolares, alguns
aspectos práticos sobre o uso não eram abordados o que reduzia a adesão dos
familiares ao tratamento. 9
Métodos de aplicação
Os métodos de
aplicação das soluções salinas são variados, podendo ser utilizada a pressão
negativa, através da inspiração da solução salina diretamente com as mãos, ou a
pressão positiva através do uso de Neti
pot, duchas nasais, conta-gotas, seringas e mais recentemente sprays com ou
sem jato contínuo. Estes últimos possibilitaram a retirada dos conservantes das
soluções, melhorando a adesão dos pacientes, e reduzindo a necessidade de manipulação
e consequentemente o risco de contaminação que havia nos métodos anteriormente
utilizados.
A produção de
um dispositivo com uma válvula de pressão e um sistema fechado de compressão
através de propelente inerte permitiu também facilitar a utilização das
soluções salinas isotônicas na faixa etária dos lactentes, onde sempre houve frequente
indicação para o uso das mesmas, mas também grande dificuldade em relação ao
posicionamento do paciente para aplicação.
Se por um lado
não há um consenso de qual o melhor método aplicação das soluções salinas a se
utilizar, principalmente na faixa etária pediátrica, cada qual com suas
vantagens e desvantagens, por outro lado, em relação ao spray-jato contínuo a
praticidade do uso e a facilidade de transporte pelos pacientes favoreceram a
aceitação do mercado por esses produtos. Ademais, é importante lembrar que a
preferência de cada indivíduo interfere diretamente na adesão ao tratamento.
10,11,12
Técnica de uso
do dispositivo spray-jato contínuo
Para a
utilização do método spray- jato contínuo deve- se escolher a válvula adequada
para cada idade, quando disponível, encaixando-a na parte superior do frasco.
Em lactentes, antes da aplicação do spray-jato contínuo, pode-se utilizar uma
haste flexível com algodão umedecido na ponta para limpar suavemente o
vestíbulo nasal removendo possíveis crostas. Para crianças e adolescentes
orienta-se assoar levemente o nariz, uma narina de cada vez. Após a limpeza
externa, deve-se introduzir a válvula aplicadora na narina, direcionando-a para
a parede lateral das fossas nasais e com o dedo indicador, pressionar a base da
válvula, mantendo o tempo necessário para uma higienização eficaz. O tempo de
aplicação do spray- jato contínuo em crianças pequenas deve ser curto, com a
finalidade de não provocar desconforto ou irritabilidade no paciente.
Recomenda-se secar a válvula aplicadora após a utilização, tampar o frasco após
o uso e individualizar a utilização de cada dispositivo, como medida de higiene.
13
A identificação
da respiração oral em pacientes com resfriado comum, rinossinusites virais ou
bacterianas, rinite alérgica, hipertrofia das adenóides entre outras condições
patológicas das vias aéreas superiores e a intervenção terapêutica para o
restabelecimento da respiração fisiológica nasal mais precocemente são
fundamentais para evitar complicações mais importantes em curto e em longo
prazo, com impacto negativo também sobre o aprendizado, o convívio social e
possivelmente sobre o estado nutricional. Desta forma, embora a irrigação nasal
com solução salina isotônica tenha um papel secundário no tratamento das
doenças das vias aéreas superiores, a praticidade do uso e seu baixo potencial
de efeitos adversos motivaram a indicação do tratamento por diversos
especialistas, seja como profilaxia para limpeza das fossas nasais de lactentes
e crianças sadias principalmente, ou como coadjuvante frequente no tratamento
com antibióticos sistêmicos e/ou com corticosteróides tópicos nasais, em
diversas condições clínicas e pós- cirúrgicas.
Um ponto
importante a destacar é que a orientação sobre qualquer dispositivo dispensador
de medicamentos deve ser exaustivamente explicada e bem discutida, para que
fique esclarecida a ação esperada de cada produto, sem falsas expectativas. Do
mesmo modo, as preferências individuais de cada paciente em relação à
utilização deste ou aquele método de higienização ou irrigação nasal com
solução salina isotônica devem ser respeitadas, tendo em vista a adesão do
paciente ao tratamento.
Bibliografia
1.
Brown CL, Graham SM. Nasal irrigations: good or bad? Curr Opin
Otolaryngol Head Neck Surg 2004; 12:9-13.
2. Mello Jr JF, Mion OG, Andrade NV, Anselmo-Lima
WT, Stamm AEC Almeida WLC, et al. Braz J
Otorhinolaryngol. 2013;79(3):391-400.
3.
Boston M,
Dobratz EJ, Buescher S, Darrow DH. Effects of nasal saline spray on human
neutrophils. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2003; 129: 660-664.
4.
4. Bousquet
J, Khaltaev N, Cruz AA, Denburg J, Fokkens WJ, Togias A, et al.; World Health
Organization; GA(2)LEN; AllerGen. Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma
(ARIA) 2008 update (in collaboration with the World Health Organization,
GA(2)LEN and AllerGen). Allergy. 2008;63 Suppl 86:8-160.
5.
Wallace DV,
Dykewicz MS, Bernstein DI, Blessing-Moore J, Cox L, Khan DA, et al.; Joint Task
Force on Practice; American Academy of Allergy; Asthma & Immunology;
American College of Allergy; Asthma and Immunology; Joint Council of Allergy,
Asthma and Immunology. The diagnosis and management of rhinitis: an updated
practice parameter. J Allergy Clin Immunol. 2008;122(2 Suppl):S1-84
6. Am J Rhinol Allergy 2012; 26:119 -125. doi:
10.2500/ajra.2012.26.3787
7. Slapak I, Skoupá J, Strnad P, Horník P. Efficacy of
isotonic nasal wash (seawater) in the treatment and prevention of rhinitis in
children. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;134(1):67-74.
8.
Bricks LF, Ferrer APS. Pediatria (Sao Paulo) 2007;29(1):70-74
9. Marchisio P, Picca M, Torretta S, Baggi E, Pasinato A,
Bianchini S et al. Italian Journal of Pediatrics 2014, 40:47
10. Schwartz RH. The nasal saline flush procedure. Pediatr
Infect Dis J.1997;16:725.
11. Passali D,
Damiani V, Passali FM, Passali GC, Bellussi L. Atomized nasal douche vs nasal
lavage in acute viral rhinitis. Arch
Otolaryngol Head Neck Surg 2005; 131:788-790.
12. Benninger MS, Hadley JA, Osguthorpe JD, Marple BF,
Leopold DA, Derebery MJ, et al. Techniques of intranasal steroid use.
Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(1):5-24. http://dx.doi.
org/10.1016/j.otohns.2003.10.007 PMid:14726906
Nenhum comentário:
Postar um comentário